Alterações propostas à minuta do Anexo 1 de fevereiro de 2020
Análise dos impactos nos requisitos de limpeza e desinfecção
Introdução
Vale a pena reservar um momento para revisar o caminho que levou à tão esperada atualização do Anexo 1 das diretrizes EudraLex, Volume 4 — Boas Práticas de Produção (GMP).
A primeira edição do guia EudraLex "As regras que regem os produtos medicinais na União Europeia", que entre seus volumes incluiu o Volume 4 "Diretrizes da UE para as boas práticas de produção de produtos medicinais para uso humano e veterinário", foi publicada em 1989 e incluiu um anexo sobre a produção de produtos medicinais estéreis.
Uma segunda edição foi publicada em 1992, seguida de mais atualizações e reestruturação do guia. O Anexo 1 também foi revisado durante os anos 2000, mas nenhuma revisão completa do anexo foi realizada desde a último número revisado em 2008 — mais de 10 anos atrás. Uma reformulação completa, portanto, está bastante atrasada.
Relevância do Anexo 1 além da UE
Conforme declarado na introdução das diretrizes da UE para as boas práticas de produção de produtos medicinais para uso humano e veterinário: "A indústria farmacêutica da União Europeia mantém altos padrões de gestão da qualidade no desenvolvimento, produção e controle de produtos medicinais… Autorizações de produção são exigidas por todos os fabricantes de produtos farmacêuticos na União Europeia, quer os produtos sejam vendidos dentro ou fora da União."
Os fabricantes de produtos farmacêuticos dentro da UE ou fabricantes que fornecem produtos para a UE são, portanto, obrigados a cumprir as boas práticas de fabricação da UE.
A diretriz EudraLex, Vol. 4, Anexo 1 é comum aos estados-membros da UE, mas também às autoridades participantes da Convenção Farmacêutica Internacional e do Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S). Desde junho de 2018, 48 países aderiram como estados-membros de PIC/S.
Atualizações ou revisões da diretriz EudraLex, Vol. 4, Anexo 1, portanto, impactam em escala global os padrões em uso das boas práticas de produção e têm consequências significativas e de amplo alcance.
Como a minuta do Anexo evoluiu
Uma indicação de que uma edição da minuta contendo uma revisão e atualização da versão de 2008 do Anexo 1 era iminente foi fornecida pela Comissão Europeia em janeiro de 2015 por meio de um "documento conceitual". Essa indicação foi seguida de vários avisos de que uma alteração chegaria no momento oportuno.
Em 20 de dezembro de 2017, a Comissão Europeia produziu uma minuta de uma revisão do Anexo 1. Após a publicação, houve um período de consulta pública que transcorreu de 20 de dezembro de 2017 a 20 de março de 2018.
A minuta da revisão procurou refletir muitos dos avanços na tecnologia de produção estéril que ocorreram nos 10 anos anteriores, desde que o Anexo foi atualizado, particularmente no que diz respeito a sistemas de barreira de acesso restrito (RABS), isoladores e tecnologias de uso único. Houve, portanto, algumas mudanças significativas relacionadas a essas áreas, mas também atualizações nas orientações sobre treinamento e qualificação de operadores, qualificação de desinfetantes para superfícies de salas limpas e seus períodos de validade em uso, sistemas de água de processo, outros sistemas utilitários e sistemas de produção fechados de instalações. Houve uma aceitação e alinhamento com ICH Q9 (gestão de risco de qualidade) e ICH Q10 (sistema de qualidade farmacêutica) e a nova minuta encorajou implicitamente o uso dos princípios de gestão de risco de qualidade (QRM), com inúmeras referências a QRM feitas ao longo do documento.
O impacto da atualização do Anexo 1 na limpeza e desinfecção
Das muitas alterações contidas na minuta do Anexo, este artigo analisará particularmente o impacto da minuta sobre os requisitos de limpeza e desinfecção e se a versão mais recente (Anexo 1, v. 12 de fevereiro de 2020) mudou significativamente a orientação nesse quesito.
É verdade que o que está na versão mais recente da minuta pode mudar novamente após o período de consulta. Contudo, o rumo a ser seguido para a orientação é razoavelmente claro. A primeira minuta incentivou uma visão holística do controle de contaminação e das medidas tomadas para minimizar o risco de contaminação (que incluem limpeza e desinfecção) — algo alterado na v. 12 para afirmar que devem ser considerados "em conjunto" como parte de uma estratégia de controle de contaminação (CCS) documentada.
Seria considerada uma atitude prudente dos fabricantes de produtos estéreis comparar as alterações propostas na minuta com os procedimentos e práticas em seus próprios locais para determinar se serão necessários ajustes ao CCS dos locais para manter a conformidade.
Limpeza versus desinfecção e o foco nos resíduos de desinfetante
Anexo 1, v. 12 de fevereiro de 2020
"4.36 A desinfecção de salas limpas é particularmente importante. Elas devem ser limpas e desinfetadas minuciosamente de acordo com um programa por escrito. Para que a desinfecção seja eficaz, deve-se realizar uma limpeza prévia para remover a contaminação da superfície... Os programas de limpeza devem remover de forma eficaz os resíduos de desinfetante."
"5.4 O processo de limpeza [do equipamento] deve ser validado para:
i. Remover quaisquer resíduos ou detritos que possam afetar negativamente a eficácia do agente desinfetante usado.
ii. Minimizar a contaminação química, microbiana e de partículas do produto durante o processo e antes da desinfecção. "Há algum tempo aceita-se que os termos "limpeza" e "desinfecção" devem ser considerados como dois termos distintos e, muitas vezes, pode ser útil considerá-los como dois processos distintos em ambientes de sala limpa.
O Anexo 1, anteriormente denominado "Higienização", já havia sido renomeado como "Desinfecção" e expandido na minuta do Anexo publicado em 2017, indicando que esta era uma área de maior enfoque. A separação desses dois processos está claramente definida agora.
O processo de limpeza consiste em remover sujeira física, sujidades ou resíduos de desinfetante de uma superfície que, caso contrário, poderia apresentar risco de contaminação física, química ou de partículas para a área de sala limpa ou para os produtos fabricados nela. A presença de sujeira, sujidades ou resíduos em uma superfície também pode apresentar uma barreira física, impedindo o contato de quaisquer desinfetantes que possam ser aplicados na superfície ou em quaisquer microrganismos presentes, potencialmente impactando a eficácia do desinfetante.
A limpeza de níveis brutos de sujeira ou sujidades é geralmente realizada usando aspiradores apropriados (com filtros de ar com alta eficiência na separação de partículas, ou HEPA, na sigla em inglês) ou usando lenços úmidos ou esfregões com água de qualidade adequada ou um detergente específico de sala limpa projetado para umedecer e/ou emulsificar a sujeira, ajudando na sua dispersão e remoção.
Já a desinfecção se refere à aplicação, por um tempo de contato específico, de um produto químico com uma atividade ou efeito antimicrobiano conhecido, para reduzir qualquer biocarga presente a um nível aceitável.
Há algum tempo existe uma preocupação a respeito de resíduos de desinfetante que permanecem nas superfícies após a aplicação, e há inúmeros exemplos de empresas farmacêuticas que recebem observações e citações relacionadas à presença de resíduos visíveis no ambiente de sala limpa.
A presença de resíduos visíveis foi frequentemente vista, no passado, como uma indicação de que um processo de limpeza e desinfecção não está totalmente sob controle, já que a própria atividade está deixando um "contaminante" na superfície. Agora, a minuta do Anexo vai além, levantando a preocupação de que os próprios resíduos possam ter alguns efeitos ocultos.
Rotação e uso de agentes desinfetantes
Anexo 1, v. 12 de fevereiro de 2020
"4.36 A desinfecção de salas limpas é particularmente importante. Elas devem ser limpas e desinfetadas minuciosamente de acordo com um programa por escrito... Mais de um tipo de agente desinfetante deve ser empregado para garantir que, onde eles tenham diferentes modos de ação, seu uso combinado seja eficaz contra todas as bactérias e fungos. A desinfecção deve incluir o uso periódico de um agente esporicida. O monitoramento deve ser realizado regularmente a fim de avaliar a eficácia do programa de desinfecção e detectar mudanças nos tipos de flora microbiana (por exemplo, organismos resistentes ao regime de desinfecção atualmente em uso)."
"4.38 Os desinfetantes e detergentes usados em áreas de Classificação A e B devem ser estéreis antes do uso (pode ser exigido também que os desinfetantes usados em áreas de Classificação C e D sejam estéreis). Nos casos em que os desinfetantes e detergentes forem preparados pelo fabricante do produto estéril, eles devem ser monitorados quanto à contaminação microbiana. As diluições devem ser mantidas em recipientes previamente limpos e devem ser armazenadas apenas por períodos definidos. Se os desinfetantes e detergentes forem fornecidos "prontos", os resultados dos certificados de análise ou conformidade podem ser aceitos, sujeitos à conclusão bem-sucedida da qualificação apropriada do fornecedor."
Os desinfetantes são geralmente divididos em desinfetantes de amplo espectro ou esporicidas (geralmente produtos químicos mais agressivos e oxidantes, capazes de penetrar e matar os endósporos bacterianos).
Embora a exigência de alternar um desinfetante de amplo espectro com um esporicida "de acordo com um programa por escrito" (ou seja, não usar esporicidas apenas reativamente) permaneça, a minuta do Anexo, v. 12 emitida em fevereiro de 2020 mudou ligeiramente. Agora, parece implicar o uso de dois desinfetantes (possivelmente de amplo espectro) diferentes, com modos de ação diferentes, além do uso periódico de um agente esporicida. No entanto, isso precisa de esclarecimento.
Embora essa prática seja às vezes observada, pode haver pouco valor em alternar dois desinfetantes de amplo espectro que estão exercendo efeito em uma gama semelhante de organismos. Ter dois desinfetantes de amplo espectro que precisam ser alternados também pode aumentar a complexidade em termos de procedimentos, entre eles procedimentos operacionais padrão (SOP, na sigla em inglês), bem como aumentar a carga de validação e controle de materiais no local.
A minuta do Anexo, v. 12, talvez desapontadoramente, continua a fazer referência a organismos "resistentes" ao regime de desinfecção. O conceito de resistência adquirida, em vez de inata, que ocorre em um local tem sido um ponto controverso há anos, com poucas evidências disponíveis a respeito desse fenômeno.
A exigência de que os desinfetantes sejam eficazes contra a flora típica encontrada, assim como a ideia de que a eficácia dos desinfetantes usados e os tipos de organismos encontrados devem ser mantidos em revisão, é sólida. Este é o propósito do uso periódico de um esporicida: garantir que a rotação de desinfetantes utilizados tenha um espectro completo de atividade, inclusive contra endósporos bacterianos.
As exigências de que desinfetantes e detergentes usados em áreas de Classificação A e B devem ser estéreis antes do uso (as áreas de Classificação A e B são definidas no Anexo 1 de 2008 e na minuta de 2017) e que soluções sejam monitoradas quanto à contaminação microbiana permanecem em vigor.
Curiosamente, a minuta do Anexo 1, v. 12 destaca que é possível que os desinfetantes usados em áreas de Classificação C e D também precisem ser estéreis. Isso é, novamente, uma indicação de que os princípios de QRM devem ser aplicados. O uso de produtos estéreis em áreas de baixa classificação não deve ser descartado se um contaminante presente em um desinfetante puder impactar negativamente uma área de produção e/ou os produtos fabricados nessa área.
Preparação interna de desinfetante de concentrados
Anexo 1, v. 12 de fevereiro de 2020
"4.38 …Nos casos em que os desinfetantes e detergentes forem preparados pelo fabricante do produto estéril, eles devem ser monitorados quanto à contaminação microbiana. As diluições devem ser mantidas em recipientes previamente limpos e devem ser armazenadas apenas por períodos definidos. Se os desinfetantes e detergentes forem fornecidos "prontos", os resultados dos certificados de análise ou conformidade podem ser aceitos, sujeitos à conclusão bem-sucedida da qualificação apropriada do fornecedor."
Versões concentradas de desinfetantes têm sido usadas há muito tempo e são consideradas por muitos um meio prático e econômico de produzir grandes volumes de desinfetante para uso. No entanto, a minuta do Anexo 1 publicado em 2017 deixou claro que havia mais considerações em torno dos processos de filtração que afetavam todos os desinfetantes sendo preparados e filtrados em áreas estéreis, entre elas a minimização do número de manipulações assépticas (incluindo conexões assépticas não intrínsecas), condições do processo de filtração, testes de integridade de filtros, validação antes e após do uso, pressões de filtro no uso, retenção bacteriana e gestão de filtros.
Inicialmente, a minuta de 2017 do Anexo 1 exigia que uma amostra de água do "pior dos locais" fosse coletada cada vez que o sistema fosse usado para produção e processos de produção. Isso agora foi reduzido significativamente na minuta v. 12.
Apesar da necessidade reduzida de testes hídricos na versão mais recente da minuta, os usuários finais ainda devem considerar o "custo total" da preparação de desinfetantes a partir de concentrados com escrutínio mais minucioso em relação à sua preparação e filtração. O treinamento, documentação e monitoramento adicionais necessários para o processo também devem ser levados em consideração.
Validação da eficácia do desinfetante e períodos de validade em uso
Anexo 1, v. 12 de fevereiro de 2020
"4.37 O processo de desinfecção deve ser validado. Os estudos de validação devem demonstrar a adequação e eficácia dos desinfetantes na maneira específica em que são usados e devem apoiar os períodos de validade em uso das soluções preparadas."
"4.38 As diluições devem ser mantidas em recipientes previamente limpos e devem ser armazenadas apenas por períodos definidos. Se os desinfetantes e detergentes forem fornecidos "prontos", os resultados dos certificados de análise ou conformidade podem ser aceitos, sujeitos à conclusão bem-sucedida da qualificação apropriada do fornecedor."
O Anexo é claro quando diz que a eficácia dos desinfetantes deve ser validada e que a validação deve refletir a forma específica como são usados. Isso reforça que os usuários finais de desinfetantes devem considerar cuidadosamente os tempos de contato, os materiais de superfície e a metodologia usada para validar os desinfetantes.
Ele também exige que a "validade em uso" ou o tempo de espera de uma solução desinfetante seja demonstrado por meio de validação. Isso pode envolver um estudo de validação para determinar por quanto tempo um concentrado ou uma diluição preparada a partir de um concentrado permanece eficaz, estável e não contaminada após a abertura. Isso pode representar um fardo ainda maior para os usuários que preparam produtos detergentes ou desinfetantes a partir de concentrados, em vez de usar produtos "prontos" ou prontos para usar. Aqui, a minuta do anexo admite que certificados de análise ou conformidade de fornecedores aprovados podem ser suficientes, negando a necessidade de validação.
Conclusão:
A versão 12 revisada da minuta do Anexo 1 publicado em fevereiro de 2020 conserva muito do "rumo a ser seguido" da minuta de 2017 com relação à orientação para limpeza e desinfecção como parte vital de uma estratégia de controle de contaminação (CCS).
Algumas das principais áreas de enfoque na minuta de 2017 e na versão mais recente (v. 12) são, no momento:
- O Anexo levantou a preocupação de que os resíduos podem ter alguns efeitos ocultos.
- Implica o uso necessário/preferível de dois desinfetantes de amplo espectro diferentes, com modos de ação diferentes, além do uso periódico de um agente esporicida.
- A exigência de que desinfetantes e detergentes usados em áreas de Classificação A e B devem ser estéreis antes do uso permanece em vigor.
- O uso potencial de desinfetantes estéreis em salas limpas de Classificação C e D, com base na QRM.
- A validação da eficácia dos desinfetantes deve refletir a maneira específica como os desinfetantes são usados.
- A "validade em uso", ou tempo de espera, também deve ser demonstrada por meio de validação se os desinfetantes forem preparados internamente.
A versão final do Anexo, invariavelmente, ainda conterá algum texto que pode estar aberto à interpretação e, obviamente, nunca será capaz de ser um guia perfeito para todos os leitores. Outras consultas públicas estão em andamento, com um número seleto de grupos e organizações relevantes da indústria prontos para fornecer comentários adicionais, sugerir esclarecimentos e alterações ao relator.
Espera-se que esse período de consulta mais curto, com uma gama mais focada de grupos e organizações, possa fornecer uma versão final do Anexo 1 em 2020.